Monday, November 03, 2008

Act, ou o coiso

Vivemos interiormente um processo dialéctico entre o transmissível e o intransmissível. Fazem parte do transmissível todos os aspectos de uma dada teoria que possamos sentir como adequados à auto-percepção do funcionamento do nosso ser, e fazem parte do intransmissível aqueles sentimentos originais que, por muito que tentemos, não conseguimos explicitar com a justeza necessária, sem os adulterarmos nessas desesperadas tentativas.
Nada nos garante que o intransmissível seja, de facto, o mais importante. Mas não vejo forma de negar esse lado. Existirá alguém que crê honestamente que pode explicitar tudo o que pensa e que sente a um outro ser humano? Ou que algum dia - num futuro indeterminado, com a evolução dos mecanismos de percepção e explicitação, perante uma rigorosa análise da natureza da razão e da intuição, da gramática e de toda a sinalética disponível - o possa encontrar escrito nalguma teoria psicofilosófica?
Hegel poderia ter razão no processo que o espírito recorre na busca do conhecimento. Mas perdeu-a na fé do seu alcance. O sonho idealista de chegar ao conhecimento absoluto é infundado.
Kierkegaard, por outro lado, negligencia os aspectos universais e objectivos da conduta humana que de facto ninguém se atreve a por em causa. Porque é justamente essa objectividade que permite a comunicação e a compreensão entre os homens e que é provada até à exaustão pela resolução de inúmeros problemas tão concretos quanto indispensáveis e pela evolução extraordinária da ciência e do pensamento ao longo da história. Mas ganha razão e fecunda pertinência no elogio que faz ao cultivo da subjectividade. Porque, em última análise, o homem é um ser que se percebe único e irredutível, e só na realização deste mergulho em si mesmo, às suas aspirações e angústias particulares, pode esperar construir o seu lar e o seu caminho.
No fundo, o processo continua as ser o de Hegel: a individualidade será a síntese entre a universalidade e a particularidade. Mas esta particularidade é-nos dada com inultrapassável profundidade por Kierkegaard, na forma de uma subjectividade essencial, em função da qual se decide o valor vital de todo o tipo de pensamento.